quarta-feira, 28 de maio de 2008

Beradêro


Dentre tantos sonhos, este é acordado...é escutado, é sentido... a imagem daquele que longe de casa olha para a pá do ventilador, vê o sol e a poeira da estrada, e lembra do ventre donde saiu a correr sem pensar...


Beradêro
Os olhos tristes da fita
Rodando no gravador
Uma moça cosendo roupa
Com a linha do Equador
E a voz da Santa dizendo
O que é que eu tô fazendo
Cá em cima desse andor

A tinta pinta o asfalto
Enfeita a alma motorista
É a cor na cor da cidade
Batom no lábio nortista
O olhar vê tons tão sudestes
E o beijo que vós me nordestes
Arranha céu da boca paulista

Cadeiras elétricas da baiana
Sentença que o turista cheire
E os sem amor os sem teto
Os sem paixão sem alqueire
No peito dos sem peito uma seta
E a cigana analfabeta
Lendo a mão de Paulo Freire

A contenteza do triste
Tristezura do contente
Vozes de faca cortando
Como o riso da serpente
São sons de sins, não contudo
Pé quebrado verso mudo
Grito no hospital da gente

São sons, são sons de sins
São sons, são sons de sins
São sons, são sons de sins
Não contudoPé quebrado, verso mudo
Grito no hospital da gente


(Chico César)

terça-feira, 27 de maio de 2008

Cabelos das águas

Um anjo Loiro
Desses, da Incompreensão
Pousou nas minhas águas
Durante o sono...

E como era bela!
Seus cabelos, ah...seus cabelos
Me escorriam à face
Numa tão reta silhueta
Que alinhava o Sol...

Me disse das penas, punhos
Caiu nos meus braços
Pediu colo, disse "te amo"
E partiu...
Antes que o Agosto
A levasse nas chuvas...

Encontrei nisso sua classificação
Assim como estas rimas
Que de tanto soarem
Espantaram o sono, os anjos
As águas e os cabelos,
Deixando apenas o sol
Sussurrando nas frestas do caminho
O dia em meus olhos...


(Michel Costa)

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Café Saudade



Sonhei ter feito café
Um velho café
de ordem diáfana, para minha avó
que à categoria chamo Mãe.

Desde que ela o provou
Disse ter o gosto de saudade...
Não acreditei até prová-lo
e no mesmo instante chorei
como não fazia desde bebê,
quando me desliguei do ventre
e me liguei ao umbigo do mundo


Lá estavam as memórias
as corroídas tardes
e as espumantes luas
as sombras de agosto
que me trilhavam meu avô
meus cachorros
minhas aventuras

Foi estranho


Cada pessoa adquirindo sabor
Menta, gengibre, chocolate
Tardes limão
E o Sol não fecundado
Se espalhando sangue
Para nascer a noite...

Nessa hora olhei pra janela
e vi que o outono chegara...


(Michel Costa)